Leucemia Linfóide Aguda (LLA)- Comparação entre Esquema Clássico e BFM

Heloisa Helena Arantes Gallo da Rocha*

Iracema Bragança Santos**

Rita Cleide Amorim Coelho***

Evelyne Monteiro Silva**

 

Rev. Inst. Est. Hem. “Arthur de Siqueira Cavalcanti”,11(1/2): 15

20,1994

 

ABSTRACT

The treatment of Acute Lymphoblastic Leukemia (ALL) during childhood has been improving the goals of cure of this lethal disease. To characterize theses improvements we made a comparison of treatments before and after 1986 until 1993 .Before 1986 (Group 1 – G1) we used to treat the patients with ALL with classical treatment and after 1986 (Group 2- G2) with BFM treatment. In the patients from G1 the complete remission rate (CR) was 63.5%, the relapse rate 69% and the disease free survival time (5 years of follow- up) was 7.2%. In the patients from G2, the CR rate was 85.8%, the relapse rate was 47.7% and the disease free survival time (5 years of follow-up) was32%. The global survival time of the patients from G1 was 10% and from G2 patients,44%. The conclusion was that the BFM protocol was better for the treatment of our ALL patients and there is no difference in remission rate or in relapse rate or in global survival time when we analyze the people with high or low risk of the disease. The authors recommend that all patients with ALL must be treated as high risk BFM protocol and before anything can be done, they must have their  clinical conditions improved, because in a great majority of these patients they arrive to be treated with leukemia in bad clinical conditions of nutrition, parasitic infestations and dental care.

 

 

INTRODUÇÃO

O estudo do Protocolo foi  iniciado em Berlim, em 1976, para pacientes (crianças e adolescentes) com leucemia linfóide aguda (LLA).2  O mesmo grupo realizou outros estudos na tentativa de obter melhores resultados na indução de remissão, diminuição de óbitos na indução, menor recaída do sistema nervoso central (SNC) e maior tempo de sobrevida livre de doença.

O protocolo de tratamento clássico da LLA, no início dos anos 80, constando da associação de drogas com Vincristine, Daunorubicina e Prednisona, profilaxia do SNC feita com Metotrexate intratecal e irradiação do SNC e posterior manutenção da remissão com 6 Mercaptopurina, Metotrexate, Vincristine e Prednisona, promovia índices de remissão completa (RC) e de sobrevida livre de doença (SL). O objetivo deste trabalho foi estudar, retrospectivamente, os resultados obtidos no tratamento da LLA com o protocolo BFM (modificado) e compará-lo com o tratamento clássico.

 

PACIENTES E MÉTODOS

Foram estudados 248 pacientes no Instituto Estadual de Hematologia do Rio de Janeiro, diagnosticados de LLA pertencentes a qualquer faixa etária, entre janeiro de 1980 a março de 1993. Os pacientes foram divididos em dois grupos:

Grupo 1 (G1): 170 pacientes tratados com o protocolo clássico, entre janeiro de 1980 e dezembro de 1986.

Grupo 2 (G2) : 78 pacientes tratados com o protocolo BFM, entre janeiro de 1987 a março de 1993.

O protocolo clássico consistiu da associação de Daunorubicina (Dauno)- 45 mg/m2 intravenoso (IV) , aplicado nos dias (D): 1,8,15 e 22 + Prednisona (P) – 40 mg/m2, via oral (VO) durante 28 dias + Vincristine (V)- 1,5 mg/m2 , IV, D: 1,8,15 e 22 + L Asparaginase (A) 10 000U/m2, três vezes por semana, durante 2 semanas, ao término da Dauno. Iniciava-se o Metotrexate (MTX) intratecal (IT) a partir da terceira semana de tratamento de indução, na dose de 12 mg/m2, num total de 5 aplicações e concomitantemente encaminhava-se o paciente para fazer radioterapia profilática do SNC.

Se houvesse RC, iniciava-se a terapia de manutenção com MTX 20 mg/m2 VO semanal associado a  Mercaptopurina (6 MP), na dose de 75 mg/m2, VO diariamente. Uma vez por mês o paciente recebia uma dose de V (1,5 mg/m2 associada a P- 40 mg/m2 VO duarnte 7 dias. O tratamento era suspenso se o paciente mantivesse remissão continuada após 36 meses.

O protocolo BFM modificado consistiu de:

Para LLA- baixo risco

Indução: punção lombar no primeiro dia com quimioterapia tripla IT (Ara C + dexametasona + MTX) e início de P na dose de 60 mg/m2 VO de D1 a D29; V- 1,5 mg/m2  em D8, D15, D22 e D29 + Dauno 30 mg/m2, D8, D15, D22 e D29  e A 10 000 UI/m2 de 3 em 3 dias, nos dias: D 26, 29, 32 e 35 ( infusão IV em 1 a 3 horas). No D36 fazia-se um mielograma (MO). Se o percentual de blastos estivesse acima de 20%, encaminhava-se o paciente para o protocolo de recaída. Se este percentual estivesse entre 5 e 20%, procedia-se a mais dois ciclos de Dauno e V (D54 e D61). Se o paciente estivesse em RC (menos de 5% de blastos na MO) no D35, fazia-se mais 4 aplicações de A nos dias: D38,41,44 e 47 e mais duas aplicações de V e Dauno nos dias: D36 e 43, com continuação da P. A P era suspensa gradativamente a partir do D43. Os pacientes do sexo masculin eram encaminhados para terapia intermediária que consistia na administração diária de 6 MP VO na dose de 25 mg/m2, durante 60 dias, MTX 500 mg/m2, IV, nos dias D8,22,36 e 50, em infusão de 24 horas, com resgate de leucovorin, 48 horas após o início do MTX. Concomitantemente, punções lombares com quimioterapia tripla IT, D8,22,36 e 50. Após uma pausa terapêutica de 14 dias, o paciente começava o tratamento de reindução, que era repetido mensalmente por dois anos e consistia de uma dose de V e 5 dias e P na dose de 60 mg/m2 VO durante 5 dias. A manutenção era iniciada imediatamente após o término da primeira reindução e consistia na administração de MTX, na dose de 15 mg/m2 IM ou VO bi semanal e 6 MP, na dose de 50 mg/m2 VO diariamente. Dois meses após o término da terapia intermediária, os pacientes recebiam radioterapia do SNC.

Os pacientes do sexo feminino não recebiam a quimioterapia intermediária. O restante era igual.

LLA- alto risco:

Indução:

Primeira fase- punção lombar com quimioterapia tripla intratecal;

P- 60 mg/m2, VO,  de D1 a D29

V-1,5 mg/ m2 , IV, D8, 15, 22 e 29

Dauno: 30 mg/ m2, D8,15, 22 e 29

Asparaginase: 10 000 UI/ m2, D 26,29,32 e 35 (IV)

 

 Segunda Fase-

Ciclofosfamida (C)- 1 g/ m2 em infusão de 24 horas

6MP: 60 mg/ m2/ dia, até o término desta fase.

Ara C- 75 mg/ m2/dia , iniciada dois dias após a ciclofosfamida, por 4 dias, com intervalos de três dias, num total de quatro blocos.

Quimioterapia tripla IT, no primeiro e terceiro bloco de AraC.

Dois dias após o último bloco de Ara C e terminando o uso de 6 MP, C – 1 g/ m2 IV.

 

Terapia Intermediária:

Pausa terapêutica de 14 dias.

6 MP- 25 mg/ m2/dia (60 dias)

MTX: 500 mg/ m2, IV infusão de 24 horas com resgate de leucovorin 48 horas após o início do MTX, nos dias: D8,22,36 e 50. As punções lombares eram realizadas nos mesmos dias da administração do MTX IV, com aplicação de quimioterapia tripla IT.

 

Terapia de Reindução- pausa terapêutica de 14 dias.

Primeira Fase:

Administração oral de dexametasona- 10 mg/ m2/dia, durante 28 dias

V: 1,5 mg/ m2  IV

Daunorubicina: 30 mg/ m2 nos dias: D1, 8, 15 e 22.

Asparaginase: 10 000 UI/ m2, IV nos dias D1,  8 e 11

Segunda fase:

Tioguanina: 60 mg/ m2/dia, do D29 ao 42

Hidrocortisona IT D31 e D38

Profilaxia do SNC- após o término da reindução, no D 43.

Manutenção- 6 MP- 50 mg/ m2/dia

MTX 20 mg/ m2/semana.

O tratamento de manutenção tinha uma duração total de 18 meses.

Foram considerados como baixo risco, os pacientes com idade entre 2 e 9 anos e leucometria inicial menor que 50 000/mm3. Foram considerados  como de alto risco um ou mais dos seguintes itens: idade menor que 2 anos ou maior que 10 anos, leucometria maior que 20.000 imunofenoipagem pré B ou T, grandes massas mediastinais, infiltração do SNC, grandes visceromegalias (baço ou fígado além de 6 cm do rebordo costal), adenomegalias maiores que 3 cm de diâmetro, leões osteolíticas avançadas, ausência de remissão após 4 ciclos de quimioterapia deindução e fosfatase ácida focal positiva.

Na análise dos dados estatísticos foi utilizado o teste de Qui Quadrado e teste t de Student, aceitando-se como significativos os valores de p iguais ou inferiores a 0.05.

 

RESULTADOS:

No G1 (tratamento clássico) a taxa de RC foi de 63,5%, de recaída 69% e de remissão contínua após 5 anos, de 7,2%.

No G2, a taxa de RC foi de 85,8%, a de recaída 47,7% e a de remissão contínua após 5 anos de 40%. A curva de sobrevida global no G1 foi de 10% e no G2 de 44% (p< 0.001). No G2 foi verificado que a SLD em 6 anos foi de 40% e que não havia diferença significativa na sobrevida global e SLD entre os pacientes de alto e baixo risco. O índice de recaída foi de 47% nos de alto risco e de 48% nos de baixo risco (p = NS).

 

DISCUSSÃO E CONCLUSÕES

Comparando os nossos resultados do Grupo 2 com os obtidos por outros grupos como Riehm et al 11 observamos que as taxas de remissão global nos pacientes tratados com o protocolo BFM foram semelhantes. Comparados com os trabalhos publicados a partir do tratamento BFM original 2,notamos que a RC global ( pacientes de alto e baixo riscos ) do Instituto Estadual de Hematologia do Rio de Janeiro foi de 85,8% e no BFM original de 97,6% (p< 0,0001). Os óbitos n indução foram de 5,1% nos nossos pacientes e de 1,6% no grupo alemão, diferença não significativa (p = 0,057). Também, como comparamos a nossa taxa global de recaída do Grupo 2 com o protocolo BFM original notamos que foi de 24,5% e 47,7%, respectivamente (p significativo).

Na análise destes dados, devemos levar em conta vários pontos: nossos resultados de remissão não são muito diferentes dos de outros grupos, que empregaram outros protocolos 3,4; nossos pacientes chegam ao hospital com doença mais avançada; eles têm na maioria dos casos, deficiências nutricionais e, freqüentemente, chegam com infecções graves, infestações parasitárias e dentes em péssimo estado de conservação. Talvez todos estes fatores justifiquem a ausência de diferença significativa na resposta entre os pacientes de alto e baixo risco.

A conclusão mais importante a que chegamos, à luz deste estudo, é que todos os nossos pacientes devem ser considerados como de alto risco e, por este motivo devem ser tratados como tais e que, inicialmente quando o paciente chegar ao hospital, em maus estado geral por infecções, ou mesmo com grande massa tumoral, antes de iniciar qualquer tratamento antileucêmico deve-se melhorar suas condições clínicas para que resista ao tratamento antileucêmico.

 

* Chefe do Serviço de Clínica do Instituto Estadual de Hematologia do Rio de Janeiro.

** Médicas da Seção de Clínica.

*** Médica do Serviço de Laboratórios.

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

1-      RIEHM,H.; GADNER, G; HENZE,G et al- The Berlin childhood acute lymphoblastic leukemia therapy study 1970- 1976. Am. J. Haematol. Oncol., 1980,2: 299-306.

2-      BOILLETOT,A;BEHAR,C; BENOIT, Y, et al.- Treatment of acute lymphoblastic leukemia in childrem with the BFM protocol. Am. J. Pediatr. Hematol. Oncol.,1987, 9: 317- 323.

3-      MAUER, A.M.- Therapy of acute lymphoblastic leukemia in childhood. Blood. 1980, 56:1.

4-      POPLACK,DG – Acute lymphoblastic leukemia in childhood.Pediatr. Clin. North Am.,1985,32:669.